EVOLUÇÃO LEGISLATIVA VISANDO COIBIR A PRÁTICA DE ALIENAÇÃO PARENTAL (BREVES REFLEXÕES)

“A atitude reiterada de desabonar o outro genitor em frente aos filhos, pouco a pouco incutindo em sua psique uma imagem perversa, no mais das vezes descolada da realidade, sem perceber o mal que isso causa, e pior, travestindo essas atitudes de amor e cuidado, fez com que o legislador movimenta-se no sentido de criar mecanismos para coibir sua prática”.

Por Luiz Fernando P. P. Tonholi

Sabe-se que é do feitio do ser humano a busca por alguém para compartilhar seus sonhos, constituir família, ter filhos, enfim, formar um casal e viver feliz até que a morte os separe. No entanto, cada vez mais comum é a separação antes mesmo do último suspiro nesta terra. Quando isto ocorre, aquele que se sente abandonado com o término da relação tende a querer se vingar. Não aceita ou não compreende a nova realidade e usando as crianças como arma busca atingir o ex-cônjuge, causando imenso dano psicológico, por vezes irreversível, aos próprios filhos.

A esse fenômeno dá-se o nome de “alienação parental”. Em verdade esta expressão foi cunhada pelo psiquiatra norte-americano Richard Gardner, em meados dos anos 1980, inicialmente como Síndrome da Alienação Parental (SAP). Sua incidência em grau mais elevado, chegando a causar sequelas emocionais, era classificada como síndrome, sendo que, em menor intensidade, classificava-se “apenas” como alienação parental.

A atitude reiterada de desabonar o outro genitor em frente aos filhos, pouco a pouco incutindo em sua psique uma imagem perversa, no mais das vezes descolada da realidade, sem perceber o mal que isso causa, e pior, travestindo essas atitudes de amor e cuidado, fez com que o legislador movimenta-se no sentido de criar mecanismos para coibir sua prática.

Este movimento tem importante marco em 2008 com a promulgação da Lei nº 11.698, que introduz no ordenamento jurídico brasileiro a guarda compartilhada, alterando-se, então, os artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil, atendendo a pleito histórico de pais que tinham seu convívio com os filhos barrado pelas ex-mulheres.  Para além da alteração legislativa, far-se-á necessário, ainda, uma mudança cultural, como magistralmente observado por Rodrigo Cunha Pereira[i]:

“Ainda estamos vivenciando um processo histórico e implementação da cultura da guarda compartilhada, e sua evolução depende da quebra de paradigmas da estrutura patriarcal. Ou seja, da forma como concebida, é um modelo velho, antiquado e não atende aos interesses das crianças, mas dos adultos. Por exemplo, em todas as negociações sobre o convívio dos filhos de pais separados, a mãe sempre diz: eu “deixo”, eu “permito” que você veja o filho… É o mesmo discurso machista do homem quando diz que “ajuda” nas tarefas do lar, subtendendo que esse é um trabalho da mulher, e não uma participação em condições de igualdade. A premissa está errada. O homem deve é compartilhar as tarefas domésticas, pois não se trata de ajuda. Assim como a mãe não tem que “deixar” o pai ver o filho, pois os direitos são iguais”.

A despeito das alterações no Código Civil, Maria Berenice Dias observa que o judiciário ainda tem sido refratário na aplicação das inovações legais que buscam efetivar a guarda compartilhada[ii]:

“Ambas as normatização — verso e reverso da mesma moeda — são criticadas por poucos e descumpridas por muitos. A começar pela Justiça, que ainda insiste em assegurar à mãe — quase como prêmio de consolação — a “base de moradia” dos filhos (CC, artigo 1.583, parágrafo 3º). Dita expressão não dispõe de conteúdo jurídico, pois não corresponde nem ao conceito de residência nem de domicílio (CC, artigos 70 e 71). De qualquer modo, morando os pais na mesma cidade ou em lugares distintos, é de todo desnecessária tal estipulação. Na guarda compartilhada, o filho dispõe de dupla residência. Seu domicílio é o lugar onde ele se encontra, ora com um, ora com o outro dos pais, pelo tempo que for”.

Bebendo da mesma fonte e contribuindo com o processo de evolução cultural, dois anos mais tarde, foi promulgada a Lei nº 12.318/2010, batizada de Lei da Alienação Parental, trazendo a definição jurídica deste comportamento:

Art. 2º. Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

O dispositivo legal trouxe também um de rol exemplificativo de atos tidos como de alienação parental:

Art. 2º, § único:

I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;

II – dificultar o exercício da autoridade parental;

III – dificultar contato de criança ou adolescente com o genitor;

IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;

VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.

A aplicação dos referidos dispositivos legais depende da observância do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente (Art. 227 da Constituição Federal e arts. 3º, 4º e 5º do Estatuto da Criança e Adolescente), que estabelece verdadeiro comando normativo ao operador de direito brasileiro, no sentido de que é prioridade absoluta a proteção da criança e do adolescente, obrigação esta que se estende a toda sociedade. Antonio Carlos Gomes Costa assim o define[iii]:

“(…) o princípio do melhor interesse da criança deve ser entendido como o fundamento primário de todas as ações direcionadas a população infanto-juvenil, sendo que, qualquer orientação ou decisão, envolvendo referida população, deve levar em conta o que é melhor e mais adequado para satisfazer suas necessidades e interesses, sobrepondo-se até mesmo aos interesses dos pais, visando assim, a proteção integral dos seus direitos”.

Extrai-se da própria Lei nº 12.318/2010, que a prática de atos de alienação parental faz com que a criança e o adolescente vejam ferido de morte um de seus direitos fundamentais:

Art. 3º. A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com grupo familiar, constitui abuso moral contra criança ou adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda.

O legislador de maneira acurada não se limitou a apenas conceituar a alienação parental, foi além e trouxe sanções àqueles que a praticarem:

 Art. 6º. Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:

I – declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;

II – ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;

III – estipular multa ao alienador;

IV – determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;

V – determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;

VI – determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;

VII – declarar a suspensão da autoridade parental.

Da leitura do dispositivo legal percebe-se a gradação das possibilidades de punição. O magistrado, quando da análise do caso concreto, poderá, até mesmo, a depender da gravidade da situação, inverter a guarda do menor em favor do genitor alienado e, ainda, declarar a suspensão da autoridade parental do genitor alienador.

Em 2020 a Lei da Alienação completa sua primeira década, fazendo uma analogia pertinente ao tema, percebe-se que esta sequer atingiu sua maioridade civil. Talvez por isso a sua observância encontra tanta resistência não só pela sociedade, mas também em parcelas do judiciário, ainda presos a uma estrutura arcaica de modelo familiar.

Urge militar em favor da correta aplicação de seus institutos, a fim de que crianças e adolescentes possam aproveitar esta fase tão importante da vida em paz, independente da relação conjugal de seus genitores.


Notas:

[i]  PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Guarda compartilhada: o filho não é de um nem de outro, é de ambos. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-abr-22/processo-familiar-guarda-compartilhada-filho-nao-ou-outro-ambos. Acesso em: 13 de maio de 2020.

[ii] DIAS, Maria Berenice. Finalmente, alienação parental é motivo para prisão. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-abr-05/maria-berenice-dias-agora-alienacao-parental-motivo-prisao. Acesso em: 12 de maio de 2020.

[iii] COSTA, Antonio Carlos Gomes. Natureza e Implantação do novo Direito da Criança e do Adolescente. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 98.

Luiz Fernando P. P. Tonholi

Graduado em Direito do Centro de Ensino Superior de Foz do Iguaçu- Cesufoz.

Advogado inscrito na OAB/PR sob o nº. 102.360.

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