PROVEN INNOCENT: TODO PRISIONEIRO É CULPADO?

“Muitas vezes a prisão de alguém não significa que um crime foi solucionado, tampouco que a justiça foi feita. Na verdade, em algumas ocasiões, a prisão de alguém é um fator multiplicador de injustiça, que objetiva unicamente pacificar um clamor social”.

Por Myrna Alves de Brito

A série de televisão Proven Innocent[1], tem como personagem principal Madeline Scott (Rachelle Lefevre), uma advogada que passou 10 anos presa por um crime que não cometeu e ao sair da cadeia abre uma empresa jurídica destinada a fazer justiça a outros que, como ela, foram condenados por crimes que não cometeram.

“Quando alguém inocente é preso por um crime que não cometeu, um verdadeiro criminoso escapou da justiça”, sua frase mais emblemática, ressalta a importância de que as engrenagens do sistema penal realmente conduzam a verdade real[2], tema bastante controvertido no direito pátrio.

Muitas vezes a prisão de alguém não significa que um crime foi solucionado, tampouco que a justiça foi feita. Na verdade, em algumas ocasiões, a prisão de alguém é um fator multiplicador de injustiça, que objetiva unicamente pacificar um clamor social.

Na era das mídias instantâneas, sempre que um crime ocorre, é difundido e torna-se viral em pouco tempo. Ato contínuo, o sentimento de recrudescimento da atuação criminosa toma conta da sociedade e não demora que se exaltem vozes clamando por justiça, linchamento, morte e afins.

Os agentes do sistema se veem obrigados a produzir uma resposta tão rápida quanto a viralidade com que o fato é conhecido. Entretanto, uma decisão assertiva, em geral, exige conhecimento dos fatos, investigação, diligências… Contudo a turba não pode esperar, ela tem urgência!

O afã de responder no imediatismo que a turba exige, coloca de lado princípios sem os quais o direito penal não deveria existir. Ou, ao menos, não existiria nos moldes em que foi concebido.

Sua concepção visava substituir a vendetta, não torná-lo um instrumento seu de perseguição e de exclusão.

A busca pela justiça, rotineiramente é pautada por um conjunto de subjetividades que não deveriam ter espaço na concreção do poder punitivo. O gênero, a raça, a profissão, o local onde mora, nada disso deveria influenciar um julgamento, mas influencia. Influencia ainda o resultado, tanto quanto o empenho despendido em se encontrar a tal verdade real.

Evidente que essas subjetividades são trazidas inconscientemente à mente do julgador ou dos agentes do sistema penal; mas isso não impede que sejam tão danosas quanto se conscientes fossem.

Fato é que o sistema penal reproduz muito mais injustiças que busca reparar, ao menos para alguns grupos, que são julgados pelo estereótipo que representam, mais por indícios que por provas coletadas.

Retornando a Proven Innocent, recorrentemente, uma simples porém acurada análise das provas seria eficaz em evitar injustiças e encarceramentos de décadas. Porém, regularmente, prevalece a vontade de atender ao clamor social, de atuar de forma espetacular no show midiático que se forma. Em alguns momentos, provas são suprimidas de modo a garantir uma condenação rápida e assim “garantir a justiça”.

Ocorre que condenação não é sinônimo de justiça, encarceramento também não.

A Justiça nasce quando paga pelo crime aquele que o cometeu.

A série é provocativa.

Contemporaneamente, se instala na sociedade um sentimento de que vale tudo contra quem está no sistema prisional. Afinal, são todos criminosos; fizeram por merecer toda a indignidade que for empreendida contra eles.

Não digo que todos são inocentes, digo que não sabemos quantos realmente são culpados pelos crimes atribuídos a eles. Enquanto esta dúvida pairar, creio que o princípio in dubio pro reo não deveria ser descartado em prol de um in dubio pro societate que visa manter uma ordem pública que ninguém sabe ao certo como conseguir.

A série se presta a isso, colocar uma pulga atrás da orelha e questionar verdades absolutas. De modo ficcional, leva o espectador a reflexão.

Creio que cumpre bem seu papel.

Reflitamos!


Referências:

[1] Série de TV de David Elliot com Rachelle LeFevre (Madeline Scott), Russell Hornsby (Ezekiel “Easy” Boudreau). Drama criminal que retrata a saga de uma advogada, fundadora de uma empresa que busca anular condenações injustas, após passar 10 anos presa por um crime que não cometeu.

[2]  Quanto a verdade real, vale a leitura dos textos críticos: JARDIM, Afrânio Silva. O princípio da verdade real no processo penal: uma explicação necessária. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/o-princi

pio-da-verdade-real-no-processo-penal-uma-explicacao-necessaria . Acesso em: MAR/2020.

LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 13 ed. São Paulo. Saraiva. 2016.

MORAIS DA ROSA,  Alexandre. A teoria dos jogos aplicada ao processo penal. 2° ed. Empório do direito. 2015

Myrna Alves de Britto

Advogada, pós-graduanda em Processo Civil pela UCAM, membro do ICCS, membro da Comissão Especial de Direito e Literatura do Canal Ciências Criminais, membro da ABJD.

Crédito da imagem: Canva

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