RECRUDESCIMENTO PENAL E PULSÃO

“Os caminhos adotados para prevenção de atitudes conceituadas desviantes de um padrão aceitável, e dos crimes diversos; revelam que um desregramento social em um processo de higienização do malfeitor, é a única maneira de efetivar as relações entre sociedade e criminoso. Dessa forma, o banimento social se inicia a partir do desvio, seja ele qual for”.

Por Iverson Kech Ferreira

Várias são as propostas e as ofertas de um recrudescimento penal, em uma penalização atraente aos olhos de espetaculares apresentadores de programas policiais, e, de grande parte da população cansada dos casos de violência.

A crença de que penas maiores são essenciais para que o Estado demonstre sua força contra os agressores de uma conduta legal, é uma das falácias que deve ser rompida ao tratar do direito das penas e sua condição peculiar de punição.

É importante lembrar que as diversas táticas e estratégias utilizadas pelo Estado para esse fim, surtiram efeito contrário ao esperado; acentuando a espiral de violência no País.

Os caminhos adotados para prevenção de atitudes conceituadas desviantes de um padrão aceitável, e dos crimes diversos; revelam que um desregramento social em um processo de higienização do malfeitor, é a única maneira de efetivar as relações entre sociedade e criminoso. Dessa forma, o banimento social se inicia a partir do desvio, seja ele qual for.

A prisão é e será por muito tempo ainda, o ponto central de todo o sistema de justiça, creditada como mediadora dos diversos conflitos sociais, entre eles, vítimas e agressores.

Essa visão romantiza o universo intramuros das instituições carcerárias do Estado, que demonstra apenas sua força opressora em detrimento de possibilidades, tanto preventivas quanto alternativas, para o crime e para a pena.

Nesse extremo protagonismo da sanção, colimada como protetora da sociedade em desgaste frente ao crime, a semente que se instiga a crescer é a da violência que define o encarceramento e molda o encarcerado; num eterno retorno. Como se sabe, a selvageria do sistema e de seus comandantes, que não é o Estado; brutalizam ainda mais o indivíduo que retornará ao trato social.

Nessa volta, perdura o estigma e com ele, a negação da própria sociedade.

Ocorre que o recrudescimento penal não é capaz de fazer frente a nenhum ímpeto humano. A pulsão humana, definida por Freud em 1915, terá sua satisfação garantida custe o que custar; sem percepção de penalização ou de um endurecimento de penas.

Os vínculos que deveriam ser mantidos entre sociedade e desviantes, priorizando métodos diversos para a resolução de determinados conflitos resolvidos pela penalização, são sopesados e determinados infames; pois o que se busca é atingir pelo medo e pela dor os próximos possíveis usuários do sistema carcerário. Não se adequa, em nenhum momento, a restauração das relações sociais, mas sim, em demonstrar para aqueles que intentam ação desviante, a força da pena e o terror das bastilhas do Estado.

Nossa política, afirma e confirma o crime organizado, que são comandados do interior de seus inseguros muros de segurança. Os padrões determinantes para esse cenário envolvem-se diretamente ao sistema, que é alimentado pelas atividades ilícitas diversas; como a venda e consumo de drogas.

Tal consumo enseja o satisfazer de uma irresistível pulsão; que será preenchida de um jeito ou de outro, quer seja seu objeto de saciedade considerado alguma violação ou não.

Não há penalização para determinados atos considerados crimes, quando estes perfazem as mais importantes atividades realizadas dentro dos presídios. O Estado, com a pena, assevera o crime.

A questão da criminalidade precisa ser revista por políticas públicas que reafirmem uma real reconstrução de todo o tecido social, que carece da argamassa que antes unia condições favoráveis para a convivência, mas que hoje inexiste. A iluminação somente pode ocorrer a partir da educação e de possibilidades para todos.

O sistema maniqueísta e violento ao extremo, cujas atividades inseridas em suas bases estruturais nem o Estado consegue extirpar, propicia somente a criação de mais criminalidade e de um maior sofrimento para todos os envolvidos.

Recrudescer penas não evitará que atos de desvio ocorram, nem que a pulsão humana seja controlada.

Referências:

FREUD, Sigmund. As pulsões e seus destinos. São Paulo, Ed. Autentica, 2013.

ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas – A perda de legitimidade do sistema penal. Trad. Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001.

Iverson Kech Ferreira

Mestre em Direito e História da Jurisdição, Especialista em Direito Penal e Processual Penal (ABDCONST), Professor de Direito Penal, Criminologia e História do Direito. Advogado Criminalista. Autor de livros e artigos jurídicos.

Crédito da imagem: Canva

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